quinta-feira, 30 de setembro de 2004


Pedro Homem de Mello
Povo que lavas no rio

Povo que lavas no rio

Que talhas com teu machado

As tábuas do meu caixão

Há-de haver quem te defenda

Quem compre o teu chão sagrado

Mas a tua vida não

Fui ter à mesa redonda

Beber em malga que esconda

Um beijo de mão em mão

Era o vinho que me deste

Água pura em fruto agreste

Mas a tua vida não

Aromas de urze e de lama

Dormi com eles na cama

Tive a mesma condição

Povo, povo eu te pertenço

Deste-me alturas de incenso

Mas a tua vida não



Poeta português, natural do Porto. Formou-se, em 1926, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, após o que exerceu o cargo de delegado do Procurador da República em Águeda (1927), conciliando-o com a prática de advocacia. Foi professor do ensino secundário e director da Escola Comercial Mouzinho da Silveira. Entre muitas actividades, destaca-se a sua dedicada pesquisa sobre o folclore português, que contemplou com vários programas de televisão, ensaios e exposições de recolha etnográfica da diversidade de registos musicais e culturais de norte a sul do país. Como obras mais significativas publicadas nesta área contam-se A Poesia na Dança e nos Cantares do Povo Português (1941) e Danças de Portugal. Como poeta, fez parte do movimento da revista Presença. Estreou-se na escrita com Caravela ao Mar (1934), conquistando, em 1939, o Prémio Antero de Quental com Segredo. Receberia ainda o Prémio Ocidente com Uma Rosa na Manhã Agreste (1964), o prémio Casimiro Dantas com Eu Hei-de Voltar um Dia (1966) e o Prémio Nacional de Poesia com Eu Desci dos Infernos (1972). Entre as suas obras contam-se ainda Pecado (1942), Jardins Suspensos (1937), Príncipe Perfeito (1944), Bodas Vermelhas (1947), Miserere (1948), Os Amigos Infelizes (1952), Grande, Grande Era a Cidade (1955), Povo Que Lavas no Rio, Ecce Homo (1974) e Poemas Escolhidos (1983). As suas tendências literárias surgem associadas ao seu interesse pelo folclore e a uma vivência das tradições de expressão popular, desenvolvendo o poeta muitas das suas obras num cenário nortenho

O fantasma de Lorca
Homem de Mello cantava a voz do povo "de alma aberta, como a terra dá frutas", disse Natália Correia. Mas, explica Alegre, "tem dentro de si todos os grandes poetas portugueses, uma espécie de memória orgânica, que vem dos cancioneiros" - Bernardim, Camões, António Nobre, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa. Algo a que não terá sido alheia a sua relação com o movimento da Presença. Há nele a oralidade, de matriz popular, que vem do folclore, "como aconteceu com o [Federico Garcia] Lorca do 'Romancero Gitano'", escreve Vasco Graça Moura no prefácio de "Poesias Escolhidas". Como? "Em fortes contrastes de luz e sombra e cor, com um sentido muito plástico do bailado dos corpos nas paisagens, com uma
musicalidade certeira, e combinada com valores da tradição literária nacional", explica Graça Moura.
Mas o "fantasma" de Lorca está em Mello, num outro nível, talvez mais sub-reptício - "a forma como assume e canta 'o amor obscuro'", diz Alegre. Ele é o aristocrata que "não disfarça a sua marginalidade". É o "poeta da transgressão", chamou-lhe Graça Moura - a rebelia à sua condição de aristocrata e a exteriorização de um "mundo interior" (neste caso, a evocação da sua homossexualidade é inevitável). Esse mundo "reconduz-se ainda a uma projecção do próprio corpo, numa tensão entra a angústia, o remorso, a 'consciência do pecado', a culpa e a vertigem erótica que é indissociável do êxtase ante a beleza humana e o prazer físico, da explosão dos sentidos, do pulsar do sangue, da memória dos efémeros momentos vividos nessa entrega e da trágica solidão que a ela se seguiu", explica Graça Moura.
Como no poema "Salve-Rainha": "É tudo carne em mim. E até na prece/ Em mim há não sei quê de vinho e sede/ É carne este poema. Senão vede/ A tentação que nele transparece". Ou ainda, na "ode" a Domingos Enes Pereira, em "Bailador de Fandango": "Chamavam-lhe 'o fandangueiro'./ Mas seu nome verdadeiro/ Quando bailava, bailava,/ Não era nome de cravo,/ Não era nome de rosa./ - Era o de flor, misteriosa,/ Que se esfolhava, esfolhava...".
Há em todos esses versos, segundo Alegre, uma "tensão dramática, por vezes quase trágica, uma espécie de permanente dialéctica entre a luz e a forma". Ou, como diz Graça Moura, "o latejar do sangue".


Nascimento:1904/09/06 Porto
Morte
:1984 Porto
País
:Portugal

1 comentário:

Anónimo disse...

O BLOG DE VCS É PERFEITO.. NOSSA EU NÃO TENHO MAIS O Q DIZER SINCERIDADE.. AS IMAGENS LINDAS... TEXTOS MTO BONS... PUTS... XONEI MESMO.. CEIS SÃO FODAS.. DE BOA!! DE ONDE VCS SÃO? BJUS PARA AS GAROTAS E ABRAÇO PROS MARMANJO! RSRSRSRS!