terça-feira, 4 de setembro de 2007

Estação de Perdas


Há horas na nossa vida que somos tomados por
uma enorme sensação de inutilidade, de vazio...
Questionamos o porquê de nossa existência e
nada parece fazer sentido.
Concentramos a nossa atenção no lado mais cruel
da vida, aquele que é implacável e a todos afecta
indistintamente: As perdas do ser humano.

Ao nascer, perdemos o aconchego ,
a segurança e a proteção do útero.
Estamos, a partir de então, por nossa conta.
Sózinhos.
Começamos a vida em perda e nela continuamos.
Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo,
outras possibilidades nos surgem.
Ao perdermos o aconchego do útero,
ganhamos os braços do mundo.
Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta,
nos eleva e nos destrói...
E continuamos a perder...e seguimos a ganhar.
Perdemos primeiro a inocência da infância.
A confiança absoluta na mão que segura a nossa mão,
a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas
por que alguém ao nosso lado nos assegura
que não nos deixará cair...
E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.
Por quê? Perguntamos a todos e de tudo...
Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas,
irremediavelmente deixadas para trás...
Estamos crescendo.
Nascer,
crescer,
adolescer,
amadurecer,
envelhecer,
morrer,
renascer (?)...
Vamos perdendo aos poucos alguns
direitos e conquistando outros.
Perdemos o direito de poder chorar bem
alto, aos gritos mesmo, quando algo
nos é tomado contra a vontade.
Perdemos o direito de dizer absolutamente
tudo que nos passa pela cabeça sem
medo de causar melindres.
Assim, se a nossa tia às vezes nos parece gorda
tememos dizer-lhe isso.
Receamos dar risadas escandalosamente da
bermuda ridícula do vizinho ou puxar as
pelanquinhas do braço da avó com a
maior naturalidade do mundo e ainda
falar bem alto sobre o assunto.
Estamos crescidos e nos ensinam que não
devemos ser tão sinceros.
E aprendemos..
E vamos adolescendo...
ganhamos peso,
ganhamos, seios,
ganhamos pelos,
ganhamos altura....
ganhamos o mundo.
Neste ponto, vivemos em grande conflito.
O mundo todo nos parece inadequado
aos nossos sonhos...
ah! os sonhos!!!
Ganhamos muitos sonhos.
Sonhamos a dormir,
sonhamos acordados,
sonhamos o tempo todo.

Aí de repente, caímos na realidade!
Estamos a amadurecer...todos nos admiram.
Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados.
Perdemos a espontaneidade.
Passamos a utilizar o raciocínio, a razão acima de tudo.
Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima (?) dos outros animais?
A racionalidade, a capacidade de organizar as nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado? (???)

E continuamos a amadurecer....
ganhamos um carro novo,
um companheiro, ganhamos um diploma.
E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar,
de andar descalços, tomar banho de chuva,
lamber os dedos e soltar pum sem querer...
Mas perdemos peso!!!
Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos
e tascamos - lhe aquele beijo estalado...
mas apertamos as mãos de todos,
ganhamos novos amigos,
ganhamos um bom ordenado,
ganhamos reconhecimento,
honrarias,
títulos honorários e
a chave da cidade...
E assim, vamos ganhando tempo....
enquanto envelhecemos.

De repente percebemos que ganhamos algumas rugas,
algumas dores nas costas (ou nas pernas),
ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso...
e perdemos cabelos.
Nos damos conta que perdemos
também o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos,
deixamos de sorrir...
perdemos a esperança.
Estamos a envelhecer.

Não podemos deixar p'ra fazer algo
quando estivermos a morrer...
afinal, quem nos garante que haverá mesmo
um renascer, excepto aquele que se faz em vida,
pelo perdão a si próprio, pelo compreender que
as perdas fazem parte, mas que apesar delas,
o sol continua a bilhar e felizmente
chove de vez em quando,
que a primavera sempre chega após o inverno,
que necessita do outono que o antecede...

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente...
Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie...
Que tenhamos rugas e boas lembranças...
Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor
e um pouco de ousadia...
Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos...
E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo,
mas hajamos de modo que aqueles a quem amamos,
se sintam amados mais do que se saibam amados.

Afinal, o que é o tempo?

(Algo partilhado um dia de, e com uma Amiga ,agora em eterno descanso, )

***Decansa em Paz...***
............

4 comentários:

Silêncio © disse...

Minha querida Mi...

Fez-se um nó ao ler o teu texto...
Sem palavras...

Uma Beijo Sentido

Gasolina disse...

Ela sorri para ti.

Recorda-a nesse tempo.

Um beijo e um abraço apertado minha Grande Amiga.

AC disse...

Respect

Eärwen disse...

Meu vôo se faz especial neste momento, onde as lágrimas da Phoenix têm o poder de restaurar teu coração dorido minha amiga. Vôo que agradeço ao Criador estar fazendo, pois trago nas asas um pouco do bálsamo que ira amenizar um pouco tua dor.
Lembra querida, que onde este "anjo" estiver, vai estar olhando por ti, sendo tua amiga da mesma forma.
Agradeço poder estar neste cantinho também.

Pérolas incandescentes de força espiritual para você amiga.

Eärwen